julho 07, 2007

desafio (Texto XIII)

No 52...já ninguém mora !

Cheguei e sentei-me.
Coloquei a mala a meus pés e olhei de frente a casa. Quase nada mudara. Fiquei ali a contemplá-la durante um bom bocado. Parece que o tempo voltara atrás e que ainda via em alguns dos rostos que passavam, as feições de crianças que por ali andavam. O vento soprava de mansinho e o cheiro a Verão invadia o ar. Quase não havia carros ou pessoas na rua. Olhei à minha volta e reparei que cada cantinho daquele largo, escondia um segredo. Sorri. Relembrei o dia em que te encontrei pela primeira vez.
Estava sentada no passeio em frente à minha casa e tu caminhavas do outro lado da rua. Em passos fortes, seguros, compassados. Trazias no rosto a calmaria de uma noite de Verão. Olhei-te e perdi-me na imensidão do teu ser. Não consegui tirar os olhos de ti. Continuaste caminhando e a certa altura paraste e olhaste-me de soslaio. Fingi que não vi. Apercebendo-te do meu pouco à vontade, viraste-te para mim e sorriste. Fui incapaz de não te sorrir. A rebeldia das águas do mar em dias do mais rigoroso Inverno, estava agora no meu peito. Senti-me voar. Quis dizer-te Olá, mas a minha boca recusou a mexer-se e os lábios a colaborar. Continuaste a andar. No dia seguinte, no outro, no outro e no outro, esperei-te. Não vieste. Por força do destino, 3 meses depois fomos obrigados a mudar de casa. Estive fora do país 10 anos.
A única coisa que sabia era que moravas no n. 52 da Rua das Papoilas. Durante todo esse tempo perguntei-me por ti. Onde estavas? Como? Terias mudado? Já não terias aquela farta cabeleira loura? Apercebi-me que fazias parte de mim, como nenhuma outra pessoa. Adormecia e acordava a ver-te sorrir. Há um mês, decidi voltar e procurar-te. Trouxe as malas cheias de saudade e aqui estou; no mesmo largo, a contemplar a tua casa e a ganhar coragem para ir bater na tua porta...para te dizer olá. Atravesso a estrada e respiro fundo. Levanto a mão de punho fechado e bato à tua porta. Uma velhinha da casa ao lado, vem à janela e pergunta:
-Oh menina, quem procura?
A família e o menino mudaram-se ontem .
No 52...já ninguém mora!

Texto enviado por: Senhora do Vento

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