julho 08, 2007

Desafio (Texto XIV)

Resposta ao Desafio: No 52… já ninguém mora…
Ou...
Epílogo ao Desafio: HOJE MATAR-TE-EI

Tal como havia previsto chegou ao fim da manhã à empresa.
- Então o jantar, ontem, que tal?
- Soberbo!
- Sempre foste fazer os exames de rotina? Está tudo bem?
- À partida está mas o médico disse que depois a assistente me telefonava quando tivesse os exames todos e marca-se a consulta. Faço exames todos os anos, sinto-me bem, nem me vou preocupar. E por aqui? Houve alguma coisa?
- Não, Amiga. Mas conta-me os pormenores todos! – Já eram colegas na mesma área há um ano, desde logo houve empatia entre elas, mas tinha aquele defeito (ou seria feitio?) de querer saber tudo, tudo. E ela não ia contar nada. Estava resolvido, tudo feito como ele havia idealizado e agora era andar para a frente e esquecer…
Veio-lhe aquela frase batida que o tempo tudo cura, tudo amansa, e era o que agora ela queria.
- O Boss – muito gostava a colega de tratar assim o Director do departamento. Ela achava-lhe um piadão. Fazia-lhe lembrar aquelas séries americanas que via para ir matando o tempo quando mais nada lhe apetecia fazer, em casa
– Pediu que te avisasse para ires ao gabinete dele, quando chegasses.
Será que vai ser hoje que resolvem a tua situação? Vais ver! Vais ficar na empresa, tens feito um trabalho óptimo, e já vais poder…You know what I mean!...
- Vou poder o quê? – Sabia bem o que queria dizer com aquela frase (mais uma de tantas séries americanas).
– Neste momento quero é sossego, querida! Não estou nada para pensar em casamentos mas quando for, garanto-te que és convidada de viva voz, por mim e não só por um mero convite. Mereces!
Bom! Deixa-me lá ir então ver o que o nosso caríssimo director tem para me dizer. Nem tive tempo para me arranjar direito. Que tal estou? – Não havia dormido, pegou num fato de calças e casaco, olhou-se ao espelho – sofrível! – Pensou e saiu, sem pensar em mais nada. Não iria pensar em mais nada dali para a frente!
- Estás o máximo! Ele baba-se quando te vê! Vai e só espero que seja para resolver a tua situação duma vez por todas. Já deste mais do que provas que o lugar é teu. Nem que estivesses toda desgrenhada ele notava, podes crer! Da maneira como te admira!...
Pira-te que eu fico em picos para saber as novidades.
- Bom dia, Dr. Tinha a indicação na secretária de que queria falar comigo.
- Sim. Entra, por favor, fecha a porta e senta-te.
Sentiu o coração bater aceleradamente! Não era aquela a expressão que lhe costumava ver no rosto! Não iria ser sobre a situação dela na empresa. Se fosse, não estaria com aquele ar tão sério, como se tivesse acontecido algo grave.
- Apesar de não ter nada a ver com a tua vida pessoal, logo de manhã recebi um telefonema que me deixou apreensivo. – Notando o ar preocupado da colega (era linda, como ele queria aproximar-se mais dela, mas a sua posição não o permitia e detestava “diz que disses” na empresa. Jamais misturara assuntos pessoais com a sua vida profissional. Não daria bom resultado, mas não podia deixar de sentir sempre aquele calafrio no estômago quando falava com ela, quando se olhavam.
– Pelo teu ar, dá para perceber que não sabes de nada…
Ela olhava-o, expectante. Impossível que ele pudesse saber alguma coisa! Era demasiado cedo. Resolveu ser directa e atirar logo a pergunta sem vacilar:
– Passa-se alguma coisa que eu deveria saber? Fiz algo errado? Agradeço que seja directo porque com certeza terei uma explicação para o sucedido, ainda que, sou franca, não esteja a ver de todo o que possa ser. Estava tudo em ordem quando ontem saí…
-Não! Não tem nada a ver com o teu desempenho que aliás, como sabes, tem sido muito bom e estamos a dias de ter a tua admissão definitiva nos quadros.
Tem a ver com o teu amigo. – Parou, baixou por instantes os olhos, voltou a levantá-los e olhou-a.
- Com o meu Amigo? Que se passa?
- Foi encontrado na garagem de casa, dentro do carro.
- O coração ia sair-lhe do peito! Até tinha receio que o seu chefe notasse como ele batia. Conseguia ouvi-lo na cabeça, senti-lo nas mãos…
– Como, na garagem? Não estou a entender!!...
- O que te quero dizer é que ao que tudo indica ele se suicidou. Parece que vivia só, nem sei bem como te dizer isto, se sabias, se não, mas ele era casado e ao que soube também, a mulher estava há tempos no IPO.
Perdoa estar a dizer-te tudo isto tão friamente mas eu estou até agora incrédulo porque, como sabes, eras a gestora das empresas dele e não queria acreditar que ele mantinha uma relação contigo sendo casado e com filhos.
– Sentiu as lágrimas a correrem sem conseguir dizer nada.
Estar ali, em frente a um estranho (sim, que a relação dos dois era meramente profissional) e ter que simular, ter que esconder que sabia, sim, que, que!...
O Director ficou ainda mais atrapalhado do que ela. Mandou vir água, café para os dois e continuou, agora num tom mais terno, quase paternal, ainda que a diferença de idades entre eles fosse mínima. Ele, um pouco mais velho, dois, três anos, por aí.
- Se quiseres, tiras o resto do dia! Não imagino sequer como te estás a sentir e lamento que o tenhas sabido por mim.
Vão tratar de fazer a autópsia, os familiares, os sogros já estão a tomar todas as providências e, fica sossegada que daqui não sairá qualquer informação sobre o teu relacionamento com ele. É óbvio que foste mais uma das suas vítimas.
- Mais uma das suas vítimas? – Perguntou, sem conseguir olhar o colega.
- Tal como mantinha um relacionamento contigo, mantinha com outras tantas que ocupavam cargos de importância, em empresas. Lamento pela mulher dele, pelos filhos!
Mas a vida continua, e, infelizmente, este não foi o único caso nem vai ser o último. Há indivíduos assim, sem escrúpulos que tudo fazem para manter aparências. Só que pelo visto não aguentou mais e chegou ao desespero…
O médico que seguia a mulher era também amigo desde o tempo em que estudavam e já havia cortado relações com ele.
Pelo visto a vida não estaria tão bem assim porque para ele se ter suicidado é preciso estar completamente sem saída.
Só lamento é por ti que estiveste nas nuvens, que ao que ouvi, pensavas casar.
- Posso sair? – Perguntou. Não consigo dizer nada, desculpe. Nem sei como estou. Vou para casa, ou não, mas hoje já não consigo fazer nada.
- Claro! Tira uns dias! Se houver alguma coisa, telefono-te.
Descansa, e, sabes que podes contar comigo! Estou aqui, sempre!
- Obrigada! – Saiu, as lágrimas a correr, ouviu que a colega a chamava, sentiu os olhares dos colegas da empresa mas só queria desaparecer dali.
Foi mantendo contacto com o colega que lhe telefonava para ir sabendo como ela estava. Que tinha uma bela notícia! Havia passado aos quadros da empresa e passariam a trabalhar em conjunto!
- Quando voltaria? Dali a mais uma semana. Só o tempo de acabar a mudança. Não queria ficar naquele andar que lhe trazia recordações que ela não queria por nada voltar a viver. Podia ser?
- Claro que sim! Já estavam todos com saudades e havia projectos para tratar mas que antes de tudo queria muito que ela estivesse bem, que poderia contar com ele!

Sorriu. Pensava nas vezes que ela e a colega haviam brincado com o ar patético com que o Director ficava quando a via chegar. Afinal, encontrou ali um amigo, que nada perguntou, que discretamente se manteve ao lado dela.
Iria voltar, sim e entregar-se-ia ao trabalho.
Guardou para o último dia duas coisas que não poderia deixar de fazer.
Entrou no IPO, dirigiu-se à secretaria, perguntou pela paciente do 5º piso, enfermaria 2.
Que já havia tido alta, que o cancro havia sido detectado a tempo e que agora voltaria só dali a um ano. Mera rotina, obrigatória nestes casos.
Agradeceu e saiu.
Meteu-se no carro.
Passou pelo prédio onde havia morado e estacionou. O porteiro estava cá em baixo e cumprimentou-a, sorridente:
- Então? Sempre nos vai deixar? Que pena! Já tem a casa nova? Ficaram lá umas coisas no andar. Vem buscar ou quer que as mande entregar nalgum sítio?
- Não. Tudo o que havia para levar já foi. A mobília do quarto fica. Gosta dela?
- Se gosto? É um luxo! Tivesse eu hipótese de comprar uma assim e a minha mulher ficava deliciada.
- Pois então, é vossa! É o mínimo que vos posso dar por toda a simpatia que sempre tiveram comigo enquanto aqui vivi.
- Mas… – Dizia o porteiro – Não posso! Deve ter sido caríssima!
- Pode sim e já é sua tal como o sofá que deixei na sala e mais umas louças que ficaram na cozinha.
Sempre que possa passo por aqui para o cumprimentar. Tudo de bom, Sr. Pereira e muito obrigada por tudo! Cumprimentos à sua Senhora.
Voltou a meter-se no automóvel. Desceu uns quarteirões, virou e abrandou até parar.
A vivenda estava fechada! Estores corridos.
Saiu do carro e permaneceu ali, a olhar.
- Era alguma coisa? – Perguntou um Sr. com todo o aspecto de vendedor.
- Estava só a ver! Bonita vivenda! Parece estar fechada! Está à venda?
- Não! História muito complicada. O dono suicidou-se! Ao que parece tinha a vida num frangalho!
- Ah! E vai ficar assim? Fechada? É uma pena! É esplêndida!
- A família não a quer. A esposa esteve mal, julgaram até que não escapava, um cancro, ao que sei. Quando recuperou, não quis voltar para cá. Disse-me apenas que informasse quem pudesse mostrar interesse na casa que dissesse simplesmente que aqui, no Nº 52… já ninguém mora e … nem nunca mais vai morar! Será demolida.
É, minha Senhora. Histórias de gente rica!
Mas tenho outros lotes que lhe posso mostrar…
- Não, Amigo! Foi mesmo só interesse por achar a casa bonita! Bom resto de tarde!
Meteu-se no automóvel, tocou o telefone:
- Então? Sempre te vejo hoje? Podíamos jantar e já te ponho ao corrente do que está a ser feito em termos de projectos. Espero que tenhas descansado bastante porque tens aqui muito para fazer.
- Claro! Só o tempo de ir trocar de roupa a casa e encontramo-nos no restaurante lá próximo da empresa. Até já!
- Está mesmo tudo bem contigo?
- Agora está! Finalmente!
- Carne ou peixe?
- Peixe!
- Pagamos a meias? – Ouviu-o sorrir – Estou a meter-me contigo!
- Não! Deixamos na conta da empresa!
– Disse, a rir com gosto, como há muito não fazia!

Texto enviado por: Cristina

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