agosto 10, 2007

Aventura no Metro

O ritual repete-se diariamente, o mesmo trajecto, a mesma viagem, só mudam os odores. As caras também se repetem, quase sempre as mesmas. Raramente se vê alguém sorrir. As caras fechadas, impenetráveis, são uma constante a que já estou habituado, ou não fosse este um país de gente que se julga superior aos outros. Sigo viagem sentado à janela, lendo como habitualmente. As minhas companhias perfeitas são, o jornal diário, os meus livros e o mp4.
Reparo em duas senhoras, uma sentada ao meu lado e a outra em frente. Os odores à minha volta mudam de repente, uma mistura de peixe cru, fora de prazo, e suor de quinze dias pairam no ar. Falam do dia-a-dia em voz alta e fazendo gestos com os braços, com as mãos, pernas, cabeça e tudo o mais... como é típico em Portugal. Sou obrigado a ouvir mesmo não querendo, tal é o volume do som e da conversa. Ainda pensei pedir-lhes educadamente: " Por favor minhas senhoras, não se importam de baixar o volume? E já agora podiam evitar o gesticular dos braços? É que o odor que vos sai dos sovacos cola-se às minhas narinas. Ah…E por favor, fechem as pernas por causa das moscas! Muito agradecido". Mas não sou capaz. Fico calado a olhar para as guelras de um carapau amanhado pendurado no avental de uma das senhoras.
Olho lá para fora, não consigo concentrar-me no livro.
A conversa das Marias continua. Dizem mal de gente que não está presente, (mais uma nobre característica dos portugueses) , e assim tomo conhecimento da vida de mais de uma dúzia de pessoas, que moram no meu quarteirão.
- Sabias que a filha da Chica abortou?
- Meu Deus, não me digas!!!
- É verdade mulher, até eu fiquei parva!
"Pronto... Vai começar a discussão sobre o aborto, só me faltava esta", pensei. As moralistas continuam a acusar quem aborta, e blá blá blá…Nesse preciso momento, uma delas, olha-me de esguelha como se estivesse à espera de um comentário meu para poder cair–me em cima, de certeza, e não tardou:
- Desculpe, o senhor não acha mal que se aborte assim de qualquer maneira, só porque sim?
Respondo-lhe:
- Eu não acho nada minha senhora. Desde que não abortem para cima de mim, está tudo bem!
Faz-se um breve silêncio, olham uma para a outra. Felizmente a seguinte paragem é a minha. Peço licença, e saio apressado ao mesmo tempo que um sujeito, sentado num banco lateral, sorri e diz:
- Boa!
Sinceramente, acho que desta vez me livrei de "boa"!

3 comentários:

Mónica disse...

boa!

Anónimo disse...

"Dizem mal de gente que não está presente, (mais uma nobre característica dos portugueses)..."
Não fizeste o mesmo? :)

lopes disse...

paabens pelo blog! e a primeira vez que o vejo, e devo dizer que foi das melhores coisas que fiz hoje, quanto ao post: o que e preciso e responder de maneira a nao haver possibilidade de nos resopnderem, ou isso ou dizer algo que deixe as pessoas com cara de parvas, de tal modo pasmadas que nao dizem nada. de qualquer maneira foi uma boa resposta