"Estava a brincar com o pensamento. Era com o que mais brincava. Não tinha mais ninguém com quem brincar. Brincava a pensar em catástrofes, acidentes, doenças, mortes e outros danos irreparáveis. Então regozijava. Era um consolo que tudo pudesse ser pior, muito pior. Se o apartamento ardesse, por exemplo, na véspera de natal, a árvore podia pegar fogo e tombar por cima dos presentes e eu era o único sobrevivente e era encontrado nos escombros carbonizados da mãe e de Fred e de Boletta e tinha de ficar deitado ligado a uma máquina para respirar durante pelo menos três meses, enquanto dezoito médicos lutavam pela minha vida e pelo que restava de mim, então, a música seria outra. Seria, seria. Então, a maioria das pessoas que tinham feito pouco de mim iam ficar com tantos remorsos que viriam de joelhos pedir perdão, e os jornais iriam estar cheios de artigos sobre a minha sina, livros seriam escritos sobre mim, realizados filmes, quadros pintados e óperas compostas e, na verdade, essa era a única coisa que sonhava: que tudo ia ficar diferente, diferente do que era. Vi-me a andar por aí com a cara queimada enrolada em gaze, só e grandioso. Assim sonhava."
"Meio-Irmão" de Lars Christensen, pág 242
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