julho 28, 2008

O Ponteiro

Foi quando o ponteiro dos minutos se estragou que ele ficou desesperado. O ponteiro das horas há muito deixara de funcionar, e agora, com mais esta contrariedade, o seu relógio já só assinalava os segundos. Apenas os segundos. Com este relógio, pensava ele, não posso marcar encontros com nenhuma pessoa. Os segundos não são uma referência para ninguém. Já só com minutos era difícil, agora é impossível. Em pouco tempo deixou de se encontrar com os amigos. Estes rapidamente o esqueceram. Perdeu também alguns dos hábitos que tinha. Os hábitos vivem de se fazer algo sempre à mesma hora, e ele só podia fazer coisas ao mesmo segundo. Era impossível manter ritmos. Vivia sozinho, desligado do mundo exterior, mas agora, ao perder os hábitos, ele desligava-se de si próprio. Percebeu que lhe restava pouco tempo: quando nos desligamos de nós próprios já nos estamos a despedir do corpo. Nesse fim de tarde, pegou no relógio e colocou-o no pulso, algo que ele nunca fazia. O ponteiro dos segundos continuava a rolar, solitário. Abriu a janela e pôs uma cadeira encostada à parede. Subiu para a cadeira e colocou um pé sobre o parapeito da janela enquanto fixava os olhos no seu pulso e no relógio. E no preciso momento em que o ponteiro dos segundos apontou para o céu ele atirou-se lá para baixo.( Gonçalo M. Tavares)

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