outubro 02, 2008

(5ª parte)

"Sacrificium intellectus" Como é que podemos ser felizes sem a curiosidade, sem perguntas, dúvidas e argumentos? Sem o prazer de pensar? Estas duas palavras que são como o golpe da espada que nos decapita, não significam outra coisa senão a imposição de dirigir o nosso sentir e actuar contra o nosso próprio pensar; elas representam um convite a uma dilaceração total, a ordem para que sacrifiquemos precisamente aquilo que constituio núcleo da felicidade em cada um de nós - a unidade e a concordância internas da nossa vida. O escravo no porão da galera está acorrentado, mas pode pensar o que quizer.Porém, o que Ele, o nosso Deus, nos impõe é que interiorizemos, com o nosso próprio esforço, a nossa própria servidão, e que, ainda por cima, o façamos com alegria e de livre vontade. Poderá haver maior escárnio? Na sua omnipresença, o Senhor é alguém que, dia e noite, nos observa, a cada hora, a cada minuto, a cada segundo Ele regista as nossas acções e o nosso pensamento. Nunca nos permite um momento sequer em que possamos estar a sós connosco próprios. Mas o que é um ser humano sem segredos? Sem pensamentos e desejos que apenas ele e só ele conhece? Todos os tarcionários, os da Inquisição e os actuais sabem-no bem: corta-lhe a retirada para dentro,nunca apagues a luz, nunca o deixes sozinho, nega-lhe o sono e o sossego - e ele acabará por falar. O facto da tortura nos roubar a alma significa que ela nos nega a possibilidade de estarmos sozinhos connosco próprios, algo que necessitamos como do ar para respirar. Será que o Senhor, o nosso Deus, não se apercebeu de que com a sua desenfreada curiosidade e a sua repugnante indiscrição nos rouba a alma, uma alma, ainda por cima, que se quer imortal? (continua)

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