fevereiro 20, 2009

#14

"Noite de quinta-feira. Jantara com um amigo, daqueles que sempre a fazia sentir-se desejada, mas não ameaçada. Pelo menos, sabia, ou acreditava que, na companhia dele, era senhora da sua vontade, da vontade do seu corpo. O amigo era um rapaz decente; culto, meigo, generoso e, principalmente, tímido. Era esta sua última característica que mais a tranquilizava. (...) Mas agora era outro que, claramente, a cortejava." In, Invisão, Mário Cunha

Foi assim que ela começou a história quando lha contei. Disse-lhe que não omitisse nada, mas sei que tenho de ser eu a prosseguir, porque lhe conheço os pudores que a limitam na íntegra captação daquilo que é realmente importante. Ela, a minha outra metade, a mulher a quem as palavras não assustam, desvela-se na poesia de um encontro e fixa-se no tremeluzir da vela que, sobre a mesa, sombreia o olhar e o aproxima da paixão.

E eu, a metade ousada, direi que o outro me cortejava, sim, e que os meus olhos davam voz de comando às mãos, que, por sobre a mesa, desvendavam o caminho que levava ao corpo e que, ali mesmo, decidiu-se a ida para casa, que o desejo ardia, alojado em todos os poros. Tinha bebido o suficiente para que a tontura fosse gostosa e a promessa de uma noite em glória elevava-me o volume da satisfação, visível quer no rubor das faces, quer na dimensão da parte superior de um decote escolhido para a ocasião. Esperava eu que a elevação fosse bilateral e, de preferência, duradoura.

Revelo também que fechei os olhos, quando, ainda no carro, ele me desarticulou as formas, deformando-me e enformando-me, para depois me ver sacudir em êxtase o desejo que me curvava e recurvava. E que depois aguardei, ainda de olhos fechados, o momento da fusão brutal dos corpos. E que de olhos fechados permaneci, enquanto ele, calado e moribundo, se recolhia ao vexame de mais um fracasso.

Disse-mo depois. O que vi e ainda me aflige a tranquilidade das mãos, foi a pele arroxeada e morta de uma coisa sem uso, desgraçadamente abandonada à má sorte. Porque ele era cortês, sim, mas de uma cortesia quase medieval, naquilo que a Idade Média tinha de mais obscuro e frio. Até a saliva do beijo era fria.

Por isso é que depois, ao contar à outra metade de mim – a que agrupa as letras exibindo a cor das cenas – lhe pedi que terminasse a história com a lembrança daquele que me satisfazia a vontade do corpo. Silenciado na timidez própria de uma juventude decente, culto na rigidez das nádegas mas bonitas que alguma vez vi, meigo nos olhos e mais ainda nas mãos, generoso na persistência e principalmente tímido por se encontrar, corpo a corpo com uma mulher mais velha, tranquilizava-me, depois de esgotadas as longas horas da paixão.

Por: Fausta Paixão

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