fevereiro 11, 2009

#5

“Enquanto escrevo isto, estamos sentados a uma mesa em frente um do outro. Não é grande, mas é suficientemente grande para nós os dois. Ele tem uma chávena de café e eu estou a beber chá. Quando as folhas estão metidas na máquina não consigo ver o rosto dele. Desta maneira estou a pôr-te a Ti à frente dele. Não preciso de o ver. Não preciso de saber se ele está a olhar para mim.” In Extremamente alto e incrivelmente perto, Jonathan S. Foer

Volta Sempre

Aliás, até preferia que não o fizesse. O olhar dele queima-me a pele. É demasiado exigente aquele olhar. Dantes achava-o profundo e vasculhador da minha alma. Agora acho-o incómodo. Dantes escondia-me naquele olhar, segura e confortável na sua intensidade. Agora escondo-me dele como o diabo da cruz. Ele não tem culpa, mas paga as consequências. Em dias como este, não sei como lidar com a presença dele. Não sei o que pensar dele estar aqui a beber do meu café, sentado na minha cadeira, à minha mesa, na minha sala. Já me lembrei de perguntar porque não se vai embora. Porque continua a estar aqui. Já sei qual a resposta… nunca foi porque nunca pedi. Tal como Tu me dizes isso. Que nunca vieste porque eu nunca pedi. E era preciso pedir? Não vias que era o que queria? O que precisava?
Agora só o tenho a ele. E não sei como me livrar desta presença que me incomoda até ao centro de mim. É aí que estás, sabias? No meu centro. Vivo e respiro-te para dentro de mim como se a minha vida dependesse disso. E depende. Mas tu não vens e ele não vai.
Desapareceu. Não sei para onde foi. Espreito por cima da folha e não o vejo. A chávena continua lá. No mesmo sítio. O café ainda deita fumo. Intocado.
Às vezes faz isso. Desaparece sem mais nem menos. Desconfio que consegue perceber que estou a escrever para Ti. Nunca pergunta, mas sente-se que sabe.
Lembrei-me da última vez que falámos. Tu e eu. Lembras-te? Foi há tanto tempo. Lembras-te de me dizeres que estavas disposto a ajudar-me? Lembras-te que te disse que não precisava de ajuda? Eu não te menti. Estava certa disso. Hoje seria mentira. Na altura não o foi.
Ainda não voltou. Estamos sozinhos. Ainda bem. Assim sinto-me mais próxima de ti. Mais perto. A chávena devia ser tua. Nossa.
Ele desapareceu. Desaparece sempre que escrevo para ti. Já percebi isso. A chávena continua no mesmo sítio onde a deixei depois de ter feito o café.
Só quando escrevo para ti é que desaparece. Só volta quando tiro a folha da máquina e a tapo para não apanhar pó. Ele sabe que tu não me respondes porque nunca chego a enviar o que escrevo. Talvez seja por isso que não desaparece de vez?
Se recebesses estas folhas virias ter comigo? Virias oferecer novamente a tua ajuda? Acho que a aceitava. Não sei. Estou cansada de estar sozinha. A presença dele só me faz perceber até que ponto o estou. Fazes-me falta. Estares aqui para não haver espaço para mais ninguém. Estares aqui para todos os espaços serem teus. Nossos. Ele só desaparece quando falo contigo.
Nem tocou no café. É sempre assim. Nem sei porque ainda me dou ao trabalho.
Vou-me despedir. Sinto-me cansada hoje. Esta casa vazia pesa-me. A escuridão cega-me. O silêncio mata-me. Vou descansar.
Sei que amanhã volta. Volta sempre. Gostava que não o fizesse. Mas não há nada que eu possa fazer. Ele volta sempre. Devia ter-te deixado vir para mim. Como querias. Como disseste que podia e devia ser. Que todos iam compreender que eu tinha de refazer a minha vida. Talvez ele não tivesse voltado. Talvez tivesse ido de vez.
Despeço-me.
Até breve, meu amor. Em breve volto para ti. Só assim ele desaparece e eu fico sozinha contigo.
Até breve, meu amor.

Por Me

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