fevereiro 16, 2009

#8

“São ruas e caminhos labirínticos os que cruzam esta cidade, cheios de vozes vagas e tristes a chorar fados que não acabam, de gente dolente e sem esperança, que sonâmbula procura o caminho que a todos una num desígnio com um verdadeiramente nobre, verdadeiramente nacional. Um desígnio que seja mais que um destino, mais que um fado a que já não se conhecem os acordes iniciais, esquecidos que estão estes entre cantos e mensagens sobrepostas ao longo da História.” In Invisão, Mário Cunha

Dos Porcos

Julgava ter feito tudo. Não conseguia sentir-me feliz, nem tão pouco reconhecido, mas julgava ter feito tudo quanto podia. O teu silêncio era de compreensão. Sabias que não servia de nada falar-me. Fosse em voz alta, ou ao ouvido. Falavas-me mais com o teu silêncio. Com a companhia.

Não sentia frio. Não tinha calor. Não sentia nada. De livro pousado sobre a perna esquerda e ainda com o polegar a marcar a página onde me encontrava. Tinha baixado os braços, ficado a meditar. De olhos postos na outra margem, oposta àquela onde nos encontrávamos. E pensava eu como sempre tinha estado na outra margem, toda a vida. Estive sempre na margem oposta àquela onde todos estão. Lutei bem contra eles, venci uns quantos, fui derrotado por outros. Nem sempre com as armas limpas. E quantas, quantas vezes com sorrisos no rosto, com apertos de mão húmidos. Lembrava-me bem. Lembrava-me de quantos se tinham cruzado comigo escorrendo sujidade, pingando copiosamente todo o seu cinismo, a hipocrisia, a mentira, falsidades e políticas de proveito próprio. Quantas vezes havia eu conspurcado as minhas mãos, oferecendo-as a uma saudação socialmente correcta, para a seguir as esconder nos bolsos e correr a lavá-las. Tantos porcos por esse país fora, tantos. Fora dos lameiros. Porcos de fato, porcos bem arranjados, de cheiros variados, com riscas ou padrão, sapatos brilhantes e faces de pureza. Que tão porcos que eram e que são. E eu ali, no meio deles, a tentar mudar o mundo. Sem comer e a evitar ser comido.

Julgava ter feito tudo. E ninguém sabia. Nem reconhecia. Os porcos brilham nas grelhas, largam a sua gordura pegajosa. Os outros, os que não são porcos, passam de fininho e em silêncio, ninguém dá nada por eles. Há qualquer coisa que separa o brilho e a gordura do verdadeiro Serviço. Afasto os olhos do que está longe e retomo a minha leitura. A tua mão, com a pele menos rugosa que a minha, repousa agora sobre o meu ombro. Tu sabes. Sabes onde estão os porcos e o que fiz. És a única que conhece todo o meu esforço. Nem que fosse apenas por isso, devia sentir-me satisfeito. Mas não consigo.

Por: João

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