março 15, 2009

Casa de Pedra


Voltou ao lugar da infância. Demorou a aproximar-se. Apreensivamente abriu os portões da quinta, e da memória. Logo em frente, estava o velho castanheiro, companheiro de todas as horas, de todas as brincadeiras e segredos, a sombra de todas as leituras e sonhos. O baloiço de corda ainda preso aos ramos mais fortes murmurou ao soprar do vento, como se o convidasse a sentar para mais uma brincadeira. Sorriu. Voltou-lhe à memória a manta de retalhos estendida sobre a sombra do castanheiro, onde se deitava de bruços e deliciado seguia o trilho do exército de formigas. Começou a subir o caminho de terra batida que leva à casa de pedra no cimo da quinta. O caminho por onde fez grandes descidas no seu carrinho de rolamentos, e que terminava sempre com o capotar, e logo, um esfolar de joelhos e uma risada ou uma lágrima. Mas voltava a pegar no carrinho como se nada tivesse acontecido, subia o caminho rapidamente, e mais uma vez tentava chegar ao fim da descida atribulada, sem capotar. Vezes sem conta tentou. Capotou sempre. Seguiu em frente, ao lado do caminho avistou o lago onde costumava largar os barquinhos de papel, depois sentava-se na beira do lago e batia lentamente com os pés fazendo círculos na água para que os barcos navegassem para longe, até ao outro lado. Olhou triste para o lago já seco, quase coberto pelas ervas, esquecido - o tempo altera todas as coisas – pensou. Proseguiu caminho, em frente, no cimo, lá estava a velha casa de pedra, adormecida. Sentiu-se exausto. Deixou-se afundar nas memórias da casa. Lentamente foi-se recompondo, ergueu a cabeça, levou a mão ao bolso do casaco e retirou a chave apertando-a entre os dedos como se fosse algo sagrado. Subiu os três degraus do alpendre e demorou-se com a chave, rodou a maçaneta e a porta deslizou com um gemido ferrugento. Prontamente sentiu as passadas do pai, o cheiro e o chamar da mãe. Uma lágrima desceu-lhe no rosto. Tinha perdido a coragem uma vez mais. Fechou a porta. Desceu apressadamente o caminho de terra batida sem mais olhar para trás, sem voltar a olhar para o lago ou para o velho castanheiro, saiu batendo o alto portão da quinta atrás de si que se fechou num estrondo. O vento que se fazia sentir cessou imediatamente. O baloiço imóvel. O tempo parado. Desalentado deixou cair os ombros, a cabeça, os braços – talvez outro dia – pensou.

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