abril 20, 2007

Quero pensar o passado e esquecer o futuro...

Hoje não estou para ninguém.
Hoje não quero estar para ninguém.
Quero estar comigo, habituar-me à ideia de que existo.
O telefone está desligado da ficha, se a campainha tocar não atendo. Vou ficar sentado no sofá, a televisão desligada, sem música no aparelho, quieto, sem me mexer, apenas a pensar no passado e a esquecer o futuro. Lá em baixo chamam pelo meu nome, buzinam, atiram pedrinhas à janela, não sabem que eu não estou. Não sabem, mas continuam.
Hoje não estou para ninguém.
Hoje não quero estar para ninguém.
Quero pensar no passado e esquecer o futuro.
Do passado já sinto os cheiros...
Quero fazer casinhas com as peças do dómino.
Quero criar pirâmides com o baralho de cartas.
Quero jogar ao Monopólio, passar pela casa partida e receber 2.000$00, comprar a Rua Augusta e o Rossio para os encher de Hotéis (se bem me lembro o Rossio valia 20 contos!)
Quero comer gelados ás escondidas da Mãe Hortense.
Quero os caramelos que o Pai Albano trazia de Espanha (daqueles moles que não se colam ao céu da boca)
Quero correr atrás da menina (não me recordo do nome dela) a dizer: "ao menos um beijinho...ao menos um beijinho".
Quero ver o Topo Gigio com o meu irmão Filipe, os dois sentados no chão. (Ficávamos mais perto da televisão)
Quero sair à noite com o meu irmão Vitor (ele não deixa, diz que sou pequeno)
Quero tomar banho com os primos no tanque gigante da Tia Cândidinha e apanhar sol em cuecas na varanda.
Quero jogar ao berlinde e à bola com os amigos no parque em frente à casa.
Quero os abraços do pai, quero os beijos da mãe.
Quero o mano Filipe e construir mundos com os legos.
Quero ser o Sandokan
Quero vestir-me de Drácula no carnaval (Ganhei o 1º Prémio – um carro telecomandado e um par de meias. A mãe gostou muito das meias)
Quero aprender a andar de bicicleta e de patins.
Quero tocar cornetas de plástico de todas as cores.
Quero que a mãe nos mande lavar os dentes e que nos mande deitar.
Quero chapinhar os pés numa poça de água em altas gargalhadas.
Quero com o Filipe, escutar as conversas dos mais crescidos. ( não percebíamos as palavras, mas era giro)
Quero ouvir a trovoada lá fora, e ver a mãe cheia de medo com as mãos na cabeça a dizer "Ai, Meu-Deus" (muito me ria)
Quero ir para a escola com o lanche na sacola
Quero...
Hoje não estou para ninguém.
Hoje não quero estar para ninguém.
Quero estar comigo, habituar-me à ideia de que existo.
O telefone está desligado da ficha, a campainha se tocar não atendo.
Hoje quero pensar no passado e esquecer o futuro
Do passado já sinto os cheiros...
-Quero...

2 comentários:

Mónica disse...

isto é uma bonita soltura :-) inspirada

Mónica disse...

tb gostava do topo gigio e o rui guedes ao piano :-)))