novembro 22, 2007

Vamos ao Teatro (III)

Ruzante - (Aborrecido) Mah! Os amos deviam ser todos enforcados.

Menato - (Depois de uma pausa) Ó compadre! Vossemecê tem um capote mais comprido do que esta minha casaca de couro.

Ruzante - Já era assim quando o palmei a um vilão dos de lá, porque tinha frio, eu. Porra! São mesmo uns ursos ruins, os vilãos: por um quartilho são capazes de deixar um gajo a estrebuchar.

Menato - Ó compadre! Lá porque é soldado, não pense que já é da cidade.

Ruzante - Não, compadre. O que eu digo - quer-se dizer - o que eu quero dizer é que os daquelas bandas não são hospitaleiros como a gente da nossa terra. Vilão é quem faz vilanias, não quem mora nas vilas.

Menato - (Cheirando à sua volta) Merda, compadre! É impressão minha ou anda para aqui um cheiro esquisito?

Ruzante - Cheira a quê? Não é mau cheiro. É um cheirinho a feno. Há quatro meses que durmo num palheiro. Só lhe sei dizer que as camas não me...

Menato - (Interrompendo) Quieto, compadre. (Agarra qualquer coisa debaixo do capote com dois dedos) Acho que temos aqui um pintassulgo sem asas.

Ruzante - Não me venha com piolhos! Na tropa, as migalhas de pão, quando caem em cima, botam logo patas e bico e tornam-se piolhos. O vinho, quando o bebemos... (porque a gente quer sempre fazer mal, mas não se pode fazer todo o mal que se quer), faz nascer manchas e sangue ruim e sarna e crostas e tinha e pústulas por todo o corpo.

Menato - Estou a ver compadre, que vossemecê vem cheio. O que não pôde foi encher os bolsos como era a sua ideia: na pilhagem, não é verdade?

Ruzante - Mah! Eu? Não pilhei nem arrebanhei nada. Tive até que comer as minhas armas.

Menato - Chiça!? vossemecê ficou assim tão feroz que é capaz de comer ferro?

Ruzante - Se vossemecê tivera passado por onde eu próprio passei, até vossemecê aprendia a comer ferro, botas e tudo (Batido na vida). Vendi-as pelas tabernas para comer, porque não tinha dinheiro.

Menato - Então não ganhava nenhum, quando fazia um prisioneiro inimigo?

continua...

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