janeiro 06, 2008

Texto IV

Tirem! Tirem! Tirem!

Tirem-me Setembro.
Tirem-me o Salazar e o estado novo e este novíssimo também.
Tirem-me a ditadura e a censura e a emigração para a América.
Tirem-me as alpergatas e as ceroulas e os campeonatos do Benfica.
Tirem-me a guerra de África e a do Iraque e a do Afeganistão.

Tirem-me Outubro.
Tirem-me a cauda da Europa e o corno de África.
Tirem-me as vitórias no atletismo de fundo.
Tirem-me a Amália, o Eusébio e o Pedro Abrunhosa.
Tirem-me a república, a monarquia e a independência.

Tirem-me Novembro.
Tirem-me a revolução e o muro de Berlim.
Tirem-me o folclore, as 770 novas Amálias e o Roberto Leal.
Tirem-me as castanhas e a água pé e a ginginha.
Tirem-me o verão de S. Martinho e o café descafeinado.

Tirem-me Dezembro.
Tirem-me o vinho, tirem-me a carta, tirem-me as próteses.
Tirem-me as couves galegas e o bolo rei com fava e brinde.
Tirem-me as mensagens do Cardeal, o ano novo do Presidente e o Last Christmas dos Wham.
Tirem-me a maior árvore de Natal do mundo e do universo.

Tirem-me Janeiro.
Tirem-me o Escudo invisível.
Tirem-me as tias, Cascais e o IC19.
Tirem-me a casa, o carro e as jóias da família.
Tirem-me o peso, a gordura, o cigarro e a saúde.

Tirem-me Fevereiro.
Tirem-me a máscara e os dias a menos.
Tirem-me a quarentena, o jejum e a indigestão.
Tirem-me a fé, a esperança e a criatividade.
Tirem-me o sono, o sexo, a cama e a mesa.

Tirem-me Março.
Tirem-me o pai, a mãe e a restante família.
Tirem-me uma fotografia para renovar o bilhete de identidade simplex.
Tirem-me o colete salva-vidas e o colete de forças e o colete encarnado.
Tirem-me o pão, a sopa e os convites da autarquia para ir ao teatro.

Tirem-me Abril.
Tirem-me a democracia, o parlamento, a vida e a liberdade.
Tirem-me Fátima, o Fado e o Futebol.
Tirem-me a minha marquise, a minha unhaca do mindinho e a SporTV.
Tirem-me o meu lugar cativo no estádio e o concerto dos três tenores.

Tirem-me Maio.
Tirem-me o emprego, os biscatos ou mesmo o meu posto de técnico de arrumação automóvel.
Tirem-me os sonhos e a gasolina barata e o passe social.
Tirem-me o subsídio de almoço, a bica e os pastéis de nata.
Tirem-me as espigas e as raparigas e o avô cantigas.

Tirem-me Junho.
Tirem-me o Camões e o Fernando Pessoa e os eléctricos de Lisboa.
Tirem-me a Expo, o casino e o parvalhão do futuro.
Tirem-me o Santo António, o S. Pedro, o S. João e a lúcida Lúcia.
Tirem-me as "trivelas", a "sustentabilidade" e o "então é assim".

Tirem-me Julho.
Tirem-me o subsídio de férias e a devolução do IRS.
Tirem-me a tenda vitalícia na Costa da Caparica.
Tirem-me a vocação para a matemática e ciências naturais dos meus filhos.
Tirem-me o passado e o presente deixado no chão pelo cão do vizinho.

Tirem-me tudo, tudo isto, mas não me tirem Agosto.
Que nessa altura estou de férias na pacatez das praias do Algarve, bem untado com protector solar factor 15, óculos de sol e vigilante, "derivado às gaijas boas e aos tsunamis que hádem acontecer".

Por: Lino Centelha

8 comentários:

Maria Arvore disse...

Tirem-me tudo mas não me tirem a ironia do Lino Centelha que me dá tusa para o ano inteiro. :)

Mónica disse...

:D surpreendente!
(agora vou refletir nos meses, pq este lino centelha n dá ponta sem nó)


há quem diga que o melhor pra casar é entre julho e setembro pq mete-se agosto

Mushu disse...

Essa máxima é mais à la QUim barreiros, Mo.

Mónica disse...

epá n sei ouvia-a da boca de um eng de uma obra...tststsstst vai dar no mesmo

Mónica disse...

o que são as "trivelas"?

Anónimo disse...

Assuntos de homens Mo. Nem queiras saber...

Toze disse...

LOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL

Mónica disse...

:-( ó mesta...