A Sala do Claustro era contígua à capela do Convento do Menino Deus. Era imensa, paralisante de frio e de nada, de um vazio nu que tornava todas ainda mais pequeninas. As meninas trepavam para as cadeiras altas e desconfortáveis e ali se quedavam, as pernas num baloiçar distraído a mais de dois palmos do chão.
Depois, chegava a Irmã Adelaide e dava início à função. Falava de coisas desconhecidas, com nomes impronunciáveis, como redenção, sacramento, liturgia, comunhão, expiação e sacrifício. Falava pausada e monocordicamente, ao mesmo tempo que gesticulava com amplitude, como se discorresse numa palestra na Sorbonne. A Irmã Adelaide não admitia, todas sabiam, interrupções – e nenhuma estava remotamente interessada em desobedecê-la.
A menina sentada na cadeira mais à esquerda, por baixo da grande janela de vitral, iniciada havia muito pouco tempo no fabuloso e apaixonante fenómeno das letras que por sua vez se transformavam em palavras, matutava, aborta, na formação da palavra Eucaristia, conquanto ainda só conhecesse as vogais. Pelo cantinho do olho, apercebeu-se que os caracóis loiros da coleguinha do lado pendiam, lenta mas inexoravelmente, na direcção do sul. Deu-lhe uma cotoveladinha discreta, que provocou uma onda repentina de caracóis a saltar como molas e um esbugalhar agradecido de um par de olhitos verdes.
A Irmã Adelaide lá persistia na sua santa demanda evangelizadora, dissertando alheada e autista, para uma plateia que existia mas que não estava lá, para um conjunto de cadeiras num claustro de pedra absolutamente vazio. As meninas nunca entenderam uma única palavra da Irmã Adelaide. Mas não deve ter tido importância, porque ela nunca se apercebeu disso.
Desafio aceite por F Word
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