“Lavar o pátio à mangueirada era uma boa coisa: animais e crianças espalhavam-se com satisfação quando as tinas, cheias de sabonária, inundavam o chão, e o mais pequeno de todos, Spiuni, corria vacilantemente, fugindo e guinchando, feliz, através das lágrimas, quando a água lhe apanhava os calcanhares.” In Enterrem-me de Pé, Isabel Fonseca
Lavar, lavar, lavar.... Ela não fazia mais nada, senão lavar. Lavou escrupulosamente cada cantinho da cozinha. Só assim, sem parar de lavar, conseguiu tirar as nódoas de sangue do chão e das paredes.
Mais tarde havia de lavar o pátio à mangueirada, para ser um lavar diferente. Para purificar a alma. Agora tinha de se desfazer das roupas e de mais umas quantas coisitas. Nada de deixar fosse o que fosse ao desvario. Nada. Tudo tinha de ser meticulosamente pensado a partir de agora. Afinal, um erro fora cometido. Um erro. Não tinha sido de propósito, estava inocente. Testemunhas não as havia, se assim fosse seria mais fácil provar a sua inocência. Sem elas quem acreditaria em si?
Mais tarde havia de lavar o pátio à mangueirada. Sim. O pátio. Todos gostavam do pátio. Um local de reunião, de brincadeira, de alegria. As crianças adoravam. Sobretudo o mais novo. O seu pirolito lindo era quem se divertia mais. Os cães juntavam-se-lhes sempre, correndo e ladrando de alegria. O pátio parecia um ringue de patinagem artística, pois a água com sabão tornava-o propício a verdadeiras demonstrações artísticas.Ah!
Que satisfação era pensar naquele pátio e na festa que era sempre lavá-lo à mangueirada. Mas... Mais tarde. Mais tarde que agora uma nuvem cinzenta tinha-se-lhe apoderado do espírito. Outras "lavagens" lhe ocupavam a mente.
Lavar, lavar, lavar.... Mais tarde. O pátio. As crianças. Não. As crianças, não. Vermelho. Medo.
Por Fabulosa
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