No 52… Já ninguém mora !
Quando fui morar para aquela rua antipatizei de imediato com aquela figura. Um homem, já idoso, que passava tardes inteiras à janela. Cataloguei-o de imediato como o "alcoviteiro" do bairro, aquele a quem não escapa o menor acontecimento. Claro que a mulher que tinha acabado de se mudar sozinha para o prédio perto do seu lhe aguçava a curiosidade mas, de início ignorei-o. Com o passar do tempo acabei por me habituar à sua presença constante na janela. Começou por me cumprimentar com um aceno de cabeça de cada vez que eu regressava a casa ao final de um dia de trabalho e, lentamente deixei-me conquistar pelo Sr. João – era este o seu nome. Aparentemente o Sr. João tinha o dom de adivinhar os dias em que eu chegava "menos bem", pois era precisamente para esses dias que reservava o elogio mais rasgado, o cumprimento mais efusivo. Aos poucos acabei por ficar a saber a história da sua vida, o passado de boémio e "bon vivant" ainda tão presente nos olhos marotos, a vida como ferroviário, o casamento, os filhos e os netos. Em resumo, o Sr. João tornou-se uma parte da minha rotina diária. Um dia, ao chegar a casa mais tarde do que era habitual, estranhei a janela fechada, as persianas corridas. Atribui o facto ao adiantado da hora e, porque tinha amigos à espera para um fim de semana prolongado, parti sem demoras e confesso, sem pensar mais no Sr. João. Quando regressei, 4 dias mais tarde, soube o porquê da janela fechada e da persiana corrida. O Sr. João tinha sofrido um AVC fatal, tendo falecido na mesma tarde em que lhe estranhei a ausência. Agora os meus finais de dia não têm a mesma cor, regresso a casa por um caminho diferente e mais longo. Porém, esse caminho evita que passe pela janela do Sr. João... Porque afinal, no 52... já ninguém mora!!!
Texto enviado por: Atlantys
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